Regra do Fundeb vira entrave de R$ 125 bi para governos que venderam folha salarial

Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

As novas regras do Fundeb, fundo de financiamento da educação, têm provocado confusão no pagamentos de salários em estados e municípios. A lei veta a transferência de recursos a outros bancos que não a Caixa e o Banco do Brasil.

A norma igonora que a maioria dos governos estaduais e prefeituras já havia vendido a operacionalização das folhas de pagamentos para bancos privados. Há ainda casos de entes que trabalham com bancos estaduais.

A situação deixou governos locais em situação de instabilidade. Se mantiverem os pagamentos de todo o funcionalismo em bancos com quem têm contratos, correm risco de serem enquadrados em ilegalidades.

O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC (Ministério da Educação) que faz a operação do Fundeb, foi provocado tanto por secretarias quanto pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos).

“Não há, no momento, permissão legal que autorize o processamento de folha de pagamento por bancos distintos daqueles previstos no art. 21 da lei [que regulamenta o Fundeb]”, disse em resposta o FNDE em ofício do mês passado.

A venda das folhas de pagamentos é um ativo para fortalecer os caixas públicos. Nos últimos cinco anos, os bancos investiram cerca de R$ 11 bilhões em licitações de folhas públicas, segundo dados do mercado.

Como 70% dos recursos do Fundeb devem ser disponibilizados para profissionais de educação, isso equivale a cerca de R$ 125 bilhões ao ano.

Os salários dos professores são parte significativa da folha e, para 80% dos municípios, a folha consome a totalidade do dinheiro do fundo, em torno de R$ 179 bilhões ao ano.

O governo Jair Bolsonaro foi criticado pela ausência nas discussões para a renovação do Fundeb, apesar de ser o responsável pelo mecanismo. O entrave com os bancos não é o único problema com as novas regras do Fundeb.

Como o jornal Folha de S.Paulo revelou no mês passado, não há clareza sobre quais servidores da educação podem ser pagos com recursos do fundo.

O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica. Representa mais de 40% de todos os gastos na área no país.

É constituído por impostos direcionados ao setor, acrescidos de uma complementação da União, e distribuído entre estados e municípios.

O fundo foi renovado em 2020 e incluído na Constituição. Em dezembro veio a regulamentação. Nessa lei há o artigo que veda transferências para outros bancos.

A regra não existia antes na gestão dos recursos do Fundeb. O argumento político para a mudança foi o de uma melhoria na rastreabilidade do dinheiro do fundo.

A CNM (Confederação Nacional dos Municípios) estima que mais da metade dos municípios licitaram folhas de pagamentos. Informações do mercado dão conta de que cerca de 90% dos entes estão nessa situação.

Há entendimento da necessidade de alterar a lei nesse ponto, diz Mariza Abreu, consultora de educação da CNM. Há projetos em tramitação no Senado e na Câmara, cujos textos tiveram apoio da entidade.

Abreu espera que o imbróglio seja resolvido antes do fim deste ano, para evitar punições de gestores. A entidade orientou a seguir o que diz o FNDE, mas ela critica a regra.
 

“Não cabe ao governo federal exigir em que bancos os recursos serão executados porque o Fundeb não é dinheiro federal. Mesmo na complementação da União, a Constituição define que é dos estados e municípios.”
 

Essas compras de folhas de pagamento fazem parte da estratégia das empresas para garantir novos clientes.
 

Segundo relatos feitos à reportagem, a pressão do setor fez com que a área econômica estudasse uma medida provisória para adiantar a mudança. Questionado, o Ministério da Economia não respondeu.
 

Representantes de bancos privados consultados pela reportagem afirmam que a insegurança jurídica coloca em risco contratos vigentes.
 

O Bradesco, por exemplo, venceu licitação por R$ 1,3 bilhão para assumir a folha salarial da prefeitura do Rio de Janeiro. No governo de Minas Gerais, o Itaú adquiriu a folha por R$ 2,4 bilhões, com início de operações em 2022.
 

Integrantes do FNDE disseram à reportagem que o governo mineiro é o mais mobilizado para resolver a questão. “Todas as iniciativas que visem a ampliação da segurança jurídica nas negociações entre estados e municípios e instituições financeiras são sempre muito bem-vindas”, diz nota do estado.
 

O quadro também prejudica novas negociações. Neste ano, houve cerca de 450 licitações e 70% foram declaradas desertas (sem interessados), segundo informações do mercado, sobretudo por causa da nova regra.
 

O prejuízo não é só das empresas, mas também dos governos. Além disso, várias cidades não têm agências do Banco do Brasil.
 

O Banco do Brasil estaria pressionando para manter a regra, dizem integrantes do setor privado. Em nota, a instituição afirma que, pela lei, é responsável pela distribuição dos recursos e que qualquer outra questão deve ser tratada pelo FNDE.
 

O FNDE não respondeu. A Caixa também não se manifestou.
 

O entendimento de parte dos bancos privados é que o texto da legislação permitiria uma interpretação diversa da consolidada pelo FNDE.
 

Haveria a possibilidade, segundo relatos, de identificar o total de recursos para salários em um débito único para os bancos responsáveis pelos pagamentos de salários. Isso ainda permitiria a rastreabilidade.
 

O governo do Rio Grande do Sul tem a folha de pagamento no Banrisul, vinculado ao estado. A Secretaria de Fazenda afirmou que manteve a operação na instituição, seguindo parecer da Procuradoria-Geral do Estado.
 

“Não consideramos que haja nenhum impacto no processamento da folha de pagamento dos servidores, pois se trata de um serviço operacional do Banrisul, independente da conta bancária original do recurso”, diz nota enviada à reportagem.
 

A Febraban declarou, também em nota, que o tema merece reflexão, especialmente do Legislativo.
 

“A prestação de contas deste ano será uma grande dor de cabeça para os gestores”, diz Mariza Abreu, da CNM.

por Paulo Saldaña | Folhapress