Morreu na manhã deste sábado (16) o general Newton Cruz, 97, chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) durante a ditadura militar e um dos acusados pelo atentado a bomba no Riocentro em 1981.
Ele estava internado no Hospital Central do Exército, na zona norte do Rio de Janeiro. A morte foi confirmada pelo Comando Militar do Leste.
Newton Cruz era um dos principais críticos da abertura dos arquivos do regime militar. Foi também um dos poucos generais a ser formalmente acusado por crimes cometidos durante a ditadura.
O general foi um dos seis acusados pelo atentado a bomba no Riocentro em 1981. A ação foi tramada pela chamada linha dura do regime para causar pânico em um show pelo Dia do Trabalho que reuniu cerca de 20 mil pessoas no centro de convenções na zona oeste do Rio. O plano deu errado, e uma bomba explodiu no colo do sargento Guilherme do Rosário, que morreu no local.
O inquérito original, que correu na Justiça Militar em 1981, tentou culpar organizações de esquerda pelo episódio. A farsa foi desmontada, mas ninguém foi punido até hoje.
A tentativa de responsabilização do general foi iniciada em 1999, quando um novo inquérito policial militar do Exército o indiciou. Ele foi acusado de falso testemunho na Justiça Militar, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) trancou o processo.
Em 2014, uma nova denúncia contra Cruz foi aberta na Justiça Federal, desta vez sob acusação de tentativa de homicídio doloso, associação criminosa armada, transporte de explosivos e favorecimento pessoal. O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) trancou a ação penal por considerar o crime prescrito.
Cruz foi considerado pelo MPF coautor do atentado por não ter tomado atitudes para evitá-lo. A denúncia dizia que, ao saber do plano e de sua execução, Cruz “omitiu-se” diante da possibilidade de que pessoas fossem mortas e feridas.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo após a abertura da ação penal, ele admitiu que foi avisado com duas horas de antecedência de que militares estavam deixando a sede do DOI-Codi carioca para detonar uma bomba no centro de eventos.
Ele disse que não tomou nenhuma atitude por entender que a explosão ocorreria na casa de força do Riocentro, sem machucar ninguém. Também afirmou que, por estar na ocasião em Brasília, sede da agência central do SNI, não teria como impedir as explosões à distância.
“Em 30 de abril de 1981, era noitinha, mais ou menos 19h, o coronel Ary [Pereira de Carvalho], que era meu chefe de operações, recebeu um telefonema do Rio. O [capitão Freddie] Perdigão foi ao DOI saber se havia alguma novidade. Quando chegou, viu um grupo que estava planejando partir para o Riocentro a fim de jogar uma bomba para marcar presença. Seria um protesto contra o que estava se passando lá. O Ary saiu dali: ‘Chefe, eu acabei de receber um telefonema’. Quando ele contou, eu raciocinei até dez. O que fazer? Avisar a quem?”, disse o general, na ocasião.
Uma primeira bomba foi lançada na caixa de força do Riocentro. A segunda explodiu no colo de Rosário. Newton Cruz disse que não sabia deste segundo artefato.
“Fui escalado o bode expiatório da revolução de 1964. Avisar a quem? Aí cerca tudo, e tal, e tinha um tumulto lá? Era o que eles queriam. Não havia nem celular nessa época. A bomba da casa de força não tinha possibilidade de prejudicar ninguém. Tanto que não foi nem ouvida no auditório. Foi um ato de presença. Não ia fazer nada”, afirmou ele na entrevista.
“Ninguém podia fazer nada. Eu tinha que aguardar. Isso foi uma decisão minha. Minha. Tomada por minha conta, e por que eu achava que para o caso era a melhor decisão.”
Nini, como era chamado por seus colegas de farda na época da ativa, também foi um dos principais críticos da abertura dos arquivos da ditadura militar.
“Eu acho que não se deve falar mais nisso. Vão achar papéis esparsos, se houver alguma coisa ainda, o que conduzirá a coisas erradas e a generalizações. Se aparecer alguma coisa, não vai esclarecer a história, vai confundir a história”, disse ele à Folha de S.Paulo em 2004.
Cruz foi o responsável pela destruição de aproximadamente 19,4 mil documentos secretos produzidos ao longo da ditadura militar (1964-1985) pela agência.
Dentre os documentos, estavam relatórios sobre personalidades famosas, como o ex-governador do Rio Leonel Brizola (1922-2004), o arcebispo católico dom Helder Câmara (1909-1999), o poeta e compositor Vinicius de Moraes (1913-1980) e o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999).
Alguns papéis podiam causar incômodo aos militares, como um relatório intitulado “Tráfico de Influência de Parente do Presidente da República”. O material era relacionado ao ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, que governou de 1969 a 1974.
Ele defendeu a destruição dos papéis em entrevista à Folha de S.Paulo.
“Foi tudo de acordo com a lei da época. O SNI existia para assessorar o presidente da República na política do governo. É um órgão de informação, e a informação nascia de um processamento doutrinariamente resolvido. Ele cumpriu o papel dele e terminou aí”, afirmou.
Em 1994, ele se candidatou para o governo do Rio de Janeiro pelo PSD. Ficou em terceiro lugar, com quase 874 mil votos (14% dos votos válidos).
por Folhapress