SAÚDE

Dedicar-se muito aos outros não é só empatia: quando isso se torna nocivo.

Você é ou conhece alguém que costuma deixar de fazer coisas para si para ajudar o outro? Não é de hoje que comportamentos em busca de recompensa constante resultam em trocas pouco saudáveis. Ter atitudes na espera de ser aceito, obter amor e afeto podem revelar um padrão de comportamento definido como autossacrifício, um traço exagerado do altruísmo, no qual as ações são voltadas excessivamente para o próximo.Parte de um foco acentuado nos desejos e sentimentos alheios, onde a perspectiva do outro é privilegiada. Assim como seu extremo, o egoísmo, é uma conduta desmedida que leva a desequilíbrios e que pode prejudicar a tal ponto de esgotar as relações.

Culpa e negação das próprias necessidades

Por definição, os sacrifícios estão relacionados com mudanças na vida. Abrimos mão de alguma atividade, pensamento ou crença para ter novas vivências ou ampliar os horizontes. É parte de um processo semelhante ao da aprendizagem, mas se refere a aspectos psicológicos, como um tipo de morte simbólica ou de transformação.Na nossa sociedade marcada pela tradição das religiões judaica e cristã, o sacrifício é tomado como forma de doação perante alguém que nos condena ou absolve e está diretamente ligado com a noção de culpa. Esse julgamento pode vir inclusive de nós mesmos, a partir da ideia que é preciso agradar alguém ou compensar algo errado que fizemos, como ter vontades exageradas.O autossacrifício parte daqueles que frequente assumem ou cumprem desejos alheios com base na negação consciente ou inconsciente das próprias necessidades, sem terem isso de volta. São pessoas que se colocam à disposição do outro de tal maneira a acabar se prejudicando, já que doam além do que possuem e levam a vida de modo a negligenciar os próprios anseios em busca de amor e reconhecimento.Foi classificado pelo psicólogo estadunidense Jeffrey Young como um esquema desadaptativo que tem origens na infância. Está relacionado com a forma como somos atendidos quando crianças em termos de afeto, autonomia, independência e estabilidade. Caso essa interação inicial com o mundo tenha sido satisfatória, a tendência é que sejam internalizados esquemas saudáveis. Já os comportamentos de autossacrifício derivam de experiências desagradáveis, como quando é ensinado que os filhos são responsáveis pelo bem-estar dos pais.Na vida adulta, é pautado pela tendência a se deixar de lado e sacrificar as próprias necessidades em prol dos outros, que geralmente são pessoas consideradas de grande valia e que merecem ou precisam ser conquistadas. Ao se autossacrificar, a pessoa se sente bem, elevando sua autoestima. Quando não, demonstra muita culpa.

Autossacrifício é diferente de empatia

Um tipo de comportamento voltado para o outro é a empatia, mas que diferente do autossacrifício, não há confusão e nem prejuízo com o que cada um está sentindo. É uma atitude consciente ou pré-consciente, voltada para procurar sentir o que o outro sente. Trata-se de uma capacidade humana fundamental, onde há de fato uma abertura em direção ao que o próximo está vivendo. Pode ser uma forma de compartilhamento ou até de viabilização para que o outro possa reconhecer o que de fato sente.Para isso acontecer, quem pratica a empatia precisa ter uma boa compreensão sobre as próprias perspectivas e necessidades. Está relacionado com o exercício da tolerância, ao entender o que o outro pensa, mesmo sem concordar. É reconhecer que existem lógicas diferentes, que foram estabelecidas por vivências distintas e às vezes distantes das nossas.No caso do autossacrifício, o indivíduo nem sempre consegue perceber realmente como o outro é ou quais suas reais necessidades, pois como negligencia seu mundo interno, é possível que suas relações sejam altamente projetivas. Ou seja, para fazer uma boa leitura do outro, primeiro deve-se dar conta de suas próprias questões. Ao ser inconsciente de sua subjetividade, a tendência é projetar seus anseios de maneira mais ou menos direta nos outros, acreditando que os conhece, quando na realidade não.

Cada um com os seus limites

O autossacrifício é um padrão incorporado na nossa forma de ser, pode derivar de um grande desconhecimento dos próprios potenciais, e incluir um relacionamento empobrecido com as emoções e o mundo interno. Para que não aconteça, é preciso voltar-se para si num processo de autoconhecimento e buscar identificar os pontos fortes e aqueles que precisam ser trabalhados, numa tentativa de não deixar mais as suas necessidades de lado.Não é raro quem costuma ter um padrão assim ter sentimentos de frustração, raiva e injustiça por não ser retribuído à altura de seus atos e intenções. Por outro lado, os que convivem com essa pessoa que anula os próprios desejos para obter amor e aprovação podem sentir a privação de liberdade para enfrentar os desafios da vida e até o sufocamento do outro, junto com um grande desgaste.Uma das indicações para reverter comportamentos assim é estimular a capacidade empática, para perceber as próprias limitações e os limites do outro dentro da relação afetiva, quais os valores indispensáveis para cada um e os termos passíveis de negociação nessa troca. A ideia é que haja autonomia de ambas as partes, com condições de crescer e se desenvolver juntos.É tentar achar o equilíbrio, onde cada um possa existir na relação com as suas particularidades sendo respeitadas, já que todos nós temos aspectos que conseguimos flexibilizar e outros que não, daí a necessidade de saber o que é importante para si e o que é inegociável. Vale lembrar que isso engloba não abrir mão de tudo pelo outro, pois provoca uma troca desigual. O ideal é pensar em ajudar o outro dentro das próprias possibilidades, não em tudo e não o tempo todo.

Dicas para ter relações mais positivas e equilibradas

Trabalhar o autoconhecimento;

Recontar, ressignificar e se reconciliar com a própria história -tanto em questões traumáticas quanto positivas;

Abertura para diversas perspectivas;

Reconhecer as influências familiares, culturais e históricas sobre nosso imaginário;

Reconhecer, reconciliar-se e relacionar-se com aspectos e conteúdos dos quais não temos controle ou temos controle parcial em nossas vidas;

Reunir coragem para enfrentarmos quem somos realmente;

Ter humildade para reconhecermos pontos fortes e fracos em nós mesmos e honestidade com nossos sentimentos, desejos medos e reflexões, mesmo que todos eles possam ser incoerentes ou indesejados;

Desenvolver a habilidade da empatia;

Apurar o olhar e a escuta.

Fontes: Anna Paula Zanoni, psicóloga clínica e integrante do Grupo de Estudos em Psicologia Analítica, Andrea Lorena Stravogiannis, psicóloga do corpo clínico do Hospital Sírio Libanês, Antônio Carlos Amador Pereira, psicólogo e professor do curso de psicologia da PUC-SP, Maria Amélia Penido, professora Doutora do departamento de psicologia da PUC-Rio e psicóloga clínica, Nelson Ernesto Coelho Junior, psicanalista e professor Doutor do Instituto de Psicologia da USP.

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