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Bolsas afundam com incertezas sobre inflação pelo mundo e recuperação global

por Clayton Castelani e Lucas Bombana | Folhapress

Sinais de que a pressão inflacionária global resultará em elevação dos juros básicos e retiradas de estímulos econômicos nos Estados Unidos, mesmo em um momento de ameaças ao crescimento mundial devido à Covid-19 e às crises imobiliária e energética na China, fizeram os principais mercados de ações afundar nesta terça-feira (28).

Alguns analistas voltaram a falar na possibilidade de uma estagflação, com crescimento mundial baixo e alta nos índices de preços.

Puxada pela aversão de investidores a riscos, a Bolsa de Valores brasileira caiu 3,05%, fechando a 110.123 pontos. O dólar subiu 0,87%, a R$ 5,4260.

Em Wall Street, Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq fecharam com quedas de 1,63%, 2,04% e 2,83%, respectivamente.

O cenário de queda se repetiu nos mercados europeus, com destaque para os recuos nas Bolsas de Londres (-0,50%), Paris (-2,17%) e Frankfurt (-2,09%).

A onda de temor ganhou forma ao longo do dia com o forte movimento de investidores abandonando os mercados de ações em busca de ganhos com títulos do Tesouro dos EUA, devido à expectativa de que o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) elevará os juros básicos e reduzirá suas compras de ativos, medidas que foram adotadas para estimular a economia no período mais grave da pandemia.

Os títulos do Tesouro dos EUA atingiram o maior valor em meses e passaram a atrair investidores, principalmente aqueles que tinham papéis de empresas de tecnologia que compõem o Nasdaq, de acordo com o Wall Street Journal.

As ações dessas empresas estão entre as mais prejudicadas em um cenário de juros mais altos, à medida que boa parte dos ganhos recentes nas Bolsas levaram em consideração os lucros projetados no futuro, em um cenário de juros mais baixos e maior crescimento que está agora em revisão.

Os juros mais altos vêm para combater a inflação, preocupação mundial devido a um cenário de elevação do preço das commodities com escassez do lado da oferta. Como a pressão inflacionária não tem como causa única a questão da demanda, corre-se o risco de um cenário em que haja uma combinação de baixo crescimento com índices de preços ainda em alta.

O petróleo está no centro do problema. O barril do Brent, referência para o setor petrolífero, atingiu US$ 80,75 (R$ 437,71) na abertura do mercado, o maior valor desde 16 de outubro de 2018, segundo dados da Bloomberg. Ao final do dia, a commodity recuou 1,19%, a US$ 78,58 (R$ 425,95), após cinco altas consecutivas.

“A percepção de menos estímulos monetários, não só no caso do Banco Central dos EUA, mas também da Europa, com preocupações com a inflação e sinalizações de um possível aumento de juros em breve, faz com que as Bolsas acabem caindo mais, porque conforme os juros sobem, isso afeta o valor das empresas no futuro e também a demanda por ações”, diz Silvio Campos Neto, economista sênior da Tendências Consultoria.

O economista lembra que o desarranjo nas cadeias de suprimentos, com uma oferta incapaz de suprir a volta da demanda, tem contribuído para o avanço da inflação e a necessidade de um ambiente de menores estímulos monetários e fiscais.

No Brasil, os juros futuros também têm subido, frente ao cenário global menos benigno do que se esperava. Papéis prefixados de longo prazo emitidos pelo Tesouro com vencimento para 2031 renovaram as máximas históricas nesta terça-feira, com retorno anualizado de 11,15%.

“Ainda que exista uma expectativa de que esse fato [a falta de oferta] seja superado, fica a dúvida em relação a quando isso vai acontecer”, diz Campos Neto. Segundo ele, a expectativa é que os riscos relacionados à redução de estímulos nos Estados Unidos, bem como sobre o novo ciclo econômico da China, devem seguir no radar do mercado por um bom tempo.

“É difícil imaginar uma mudança grande para melhor nesses aspectos”, diz o especialista. Ele lembra que em outubro estão previstos dados do PIB chinês do terceiro trimestre, que não devem ser muito positivos em meio às dificuldades enfrentadas pelas empresas com a falta de energia no país, com potencial de renovar as preocupações que vêm da Ásia.

Em um cenário externo que passa a se desenhar mais desafiador do que os prognósticos apontavam anteriormente, o risco de estagflação, quando há uma combinação de crescimento baixo com inflação alta, passou a ser discutido também entre agentes econômicos globais.

“Temos um crescimento esperado muito baixo [do PIB do Brasil], com uma inflação muito persistente. Parece que é o caso mesmo [de estagflação]”, diz o economista, que prevê uma taxa Selic em 9,5% no início do ano que vem, com uma projeção para o crescimento da economia hoje em 1,8%, “mas que está mais com cara de 1,2%” diz André Perfeito, economista-chefe da Necton, em relação ao caso brasileiro.
 

O economista-chefe da Necton diz que o humor começou a pesar negativamente com mais força nos mercados globais nesta terça-feira (28) após falas do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Jerome Powell, e da secretária do Tesouro americano, Janet Yellen.
 

Os dirigentes defenderam em depoimento no Senado americano atenção quanto ao limite no teto da dívida americana. A previsão é que o teto chegue ao limite em meados de outubro.
 

“Isso já aconteceu algumas vezes no passado. Normalmente eles aumentam o limite, e não deve haver dificuldade em aumentar. Porém, se as discussões travarem no Congresso, começa a ocorrer uma série de falta de pagamentos, tanto para funcionários como para recompra de ativos, com um efeito cascata bastante perigoso”, diz Vitor Carettoni, diretor da mesa de operações de renda variável da Lifetime Investimentos.
 

A preocupação dos investidores com a situação fiscal americana se soma à antecipação na redução dos estímulos nos EUA e ao caso Evergrande na China, fatores que têm provocando uma reprecificação nos ativos de maior risco de modo geral, aponta o economista-chefe da Necton.
 

Correligionários do presidente norte-americano, Joe Biden, buscavam evitar uma paralisação do governo e uma inadimplência de crédito potencialmente incapacitante ao país nesta terça-feira (28), enquanto também tentavam chegar a um acordo sobre um gigantesco pacote de gastos e tributário voltado à ambiciosa agenda de política social do presidente.
 

“Estamos vendo esse aumento da expectativa de juros por lá muito por conta de um dólar se fortalecendo frente a moedas emergentes e pela alta das commodities”, diz Pietra Guerra, especialista em ações da Clear Corretora.
 

“Esses dois fatores combinados refletem na subida da inflação e, com isso, pode ser que o Fed tenha que subir os juros da taxa básica para contê-la”, analisa.
 

No Brasil, parte da inflação tem relação direta com a elevação do preço do petróleo, o que produz efeitos ambíguos sobre a Petrobras.
 

À primeira vista, a elevação da commodity beneficia o mercado acionário brasileiro porque impulsiona as ações da estatal. Mas a alta também pressiona os preços dos combustíveis, com reflexos na pressão política para que o governo interfira nos preços praticados pela empresa.
 

Nesta terça, a Petrobras anunciou aumento de 8,9% no preço do diesel em suas refinarias, após 85 dias sem reajuste. O anúncio ocorre um dia depois de mais uma sequência de ruídos entre o governo e a estatal em relação aos preços dos combustíveis.
 

As ações da Petrobras (PETR4) fecharam em queda de 0,66%, com o maior volume de negociações desta terça.
 

Ainda no campo dos produtores de commodities, o movimento de baixa se estendeu para os papéis da Vale (Vale3), que caíram 5,01%.
 

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSNA3) e a Usiminas (USIM5) recuaram 7,84% e 7,27%, cada.
 

Outro grupo de ações expostas a oscilações provocadas por investidores estrangeiros, as do setor bancário, também rechearam a lista das principais baixas da Bolsa nesta terça. Bradesco (BBDC4) e Itaú-Unibanco (ITUB4) caíram 2,11% e 2,27%, respectivamente.

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